Roteiro para Instalação de Tração
4x4 em Picapes GM Séries 10 e 20 (continuação)
Por Ulysses Pagliaro - Lorena SP
Instalação da caixa de transferência e cardans
Aqui é o ponto onde vale a máxima "cada caso é um caso".
Isso porque a instalação da caixa de transferência vai depender
do modelo da caixa em si e também do câmbio que está na viatura.
No meu caso, a caixa foi feita para ser acoplada ao câmbio através de
um pequeno cardan. Já as caixas dos jipes Engesa, bem como as originais ZF,
acoplam diretamente no câmbio, desde que esse seja um Clark daqueles que têm
a 1ª marcha "para trás" e bem curta (se não me engano,
referência GM M37 e M47). No meu caso, o câmbio é aquele ZF que
tem a 5ª marcha "drive", ou seja, longa (M46).
Neste câmbio, qualquer que seja a caixa de transferência, o acoplamento
tem que ser por cardan. De qualquer modo, segundo o Manual do Proprietário
as Bonanza a álcool/gasolina usam o mesmo câmbio das diesel sem turbo
(M46). A única diferença é a relação da 5ª
marcha, 12% mais longa na diesel. Contudo, as Bonanza diesel turbo possuem o câmbio
M37, que tem a 1ª curta, mas nesse caso a relação da 5ª é
9% mais longa. Isso tudo com pneus originais, mas como o pneu 33" é 10%
maior que o 255/75, na prática ficou tudo ok. Isso só vale para as Bonanza:
nas Veraneios, A/C/D-10/20 e Silverado muda tudo. Voltaremos ao tema lá na
frente, no acerto das relações dos diferenciais.
As caixas de transferência dos jipes Engesa Fase I funcionam o tempo todo,
ou seja, tanto o cardan traseiro como o dianteiro são acionados por ela. Já
as caixas Fase II acionam apenas o cardan dianteiro, pois o traseiro sai direto do
câmbio. A minha é um modelo híbrido, ou seja, apesar de o cardan
traseiro ser acionado por ela, internamente o movimento "passa direto",
tornando-a bastante silenciosa. Assim como nas Fase II, percebe-se um pequeno ruído
de engrenagens apenas quando acionada a tração dianteira. Essas caixas
dos jipes são presas ao chassi através de um "suporte" na
lateral direita, ficando o lado esquerdo conectado diretamente ao câmbio. Aqui
também a coisa vai depender do câmbio da viatura, pois modelos iguais
ao meu não aceitam essa conexão direta. Nesse caso, seria melhor substituir
o câmbio pelo M37.
A minha caixa, por ser quadrada, foi até fácil de instalar. Bastou
posicioná-la atrás do câmbio, numa distância que permitia
a instalação do pequeno cardan. A fixação dela é
pelas laterais, ficando "pendurada" entre as longarinas. Mas como o seguro
morreu de velho (e também para evitar vibrações), fizemos uma
travessa que foi colocada sob a caixa, ficando esta com 3 pontos de fixação.
Trabalho desnecessário, conforme veremos mais adiante.... Essa travessa também
cumpre uma função adicional: manter as longarinas do chassi paralelas
(ver lá em cima o que eu falei sobre a retirada do agregado da suspensão
dianteira). O difícil foi encontrar coxins que agüentassem o peso da mardita
caixa de transferência.... depois de alguns testes, optamos pelos coxins do
motor do caminhão MB-608. Afinal, peso e vibração é com
eles mesmo....
Outra coisa que deu trabalho foi o mini-cardan, também em relação
à resistência da peça. O primeiro que fizemos, utilizando luva
e eixo de D-20, não agüentou: depois de rodar uns 40km, talvez por ser
marca "Tabajara" (mas vendido como Spicer), torceu de tal modo por causa
do torque que o estriado mais parecia uma rosca! Dá-lhe S4T.....
Colocamos então uma peça de D-40, bem usadinha por sinal, só
para testar. Já rodou uns 1000km e está perfeita, apesar da grande folga
entre a luva e o estriado. A nova já foi encomendada e quando vocês estiverem
lendo isto já terá sido instalada. Esse retrabalho consiste basicamente
em reduzir o comprimento da luva e do eixo, tendo sido feito por torneiro. O ponto
crítico é a ressoldagem do estriado no garfo, se não for bem
feita enfraquece a peça e.....
A colocação da caixa de transferência atrás do câmbio
inviabiliza o uso do cardan original, o qual precisa ser encurtado. Isso é
fácil, basta que o torneiro seja caprichoso e faça o correto balanceamento
da peça. Contudo, a combinação cardan curto + suspensão
traseira levantada + entre-eixos pequeno da Bonanza causou outro problema, resolvido
lá adiante (ver "Outros Detalhes"). O cardan dianteiro, caso não
venha no kit, precisa ser "fabricado" a partir de um traseiro de D-20 ou
similar. No meu caso, devido à posição da transferência,
ele ficou maior que o traseiro original e com pouca inclinação. Isso
causou mais problemas lá na frente (do carro), este mais trabalhoso de resolver
(veja também nos "Detalhes").
Alteração no eixo e suspensão traseiros
O eixo traseiro da Bonanza é Braseixos com Positraction (lembrem-se que
originalmente ela era a gasolina) e foi mantido assim, bem como a relação
de diferencial. A altura da suspensão traseira, conforme já falei, teve
que ser revista em função da nova dianteira. Na Bonanza, além
do arqueamento que já havia sido feito, foi necessário colocar um calço
entre o eixo e as molas (bloco de aço, +- 8cm) para nivelar. Isso bagunçou
tudo lá atrás: freios, amortecedores, estabilizador, cruzetas.... Começamos
então a ir resolvendo por partes:
- Freios: tivemos que reposicionar o sensor de carga do eixo traseiro, fazendo-o
acompanhar a nova inclinação e mantendo a sua função;
- Amortecedores: para manter os amortecedores originais, o suporte deles foi aumentado
no eixo, elevando a altura do parafuso que prende o amortecedor;
- Estabilizador: os parafusos de fixação já não alcançavam
mais os suportes, portanto foram trocados por bieletas maiores (no meu caso, de Toyota
Hilux);
- Cruzetas: como falei acima, a redução no tamanho do cardan traseiro
e a nova altura da suspensão deixaram-no muito inclinado e com isso as cruzetas
começaram a bater. Para resolver isso, o eixo traseiro foi levemente inclinado
para cima utilizando-se cunhas. A inclinação, por ser pequena, não
afetou a lubrificação do diferencial. Se o carro a ser adaptado tiver
entre-eixos maior que a Bonanza, pode ser que esse problema não ocorra.
Fora isso, nada mais.
Outros detalhes (escapamento, alavanca de acionamento, acerto de
relação dos diferenciais, batentes, rodas-livres, etc.)
Aqui vem a parte mais difícil de fazer, não pela complexidade mas
pelo fato de o carro estar quase pronto e a vontade de rodar com ele ser enorme. Contudo,
o segredo de um serviço bem feito está nos detalhes, portanto....
O eixo dianteiro do kit 4x4 tem a carcaça do diferencial bem grande, parecida
com a do eixo traseiro e fica à direita do eixo. Com isso, ao flexionar o lado
direito da suspensão a carcaça e o cardan dianteiro tocavam no tubo
de escapamento, que nos motores S4T e Perkins sai pela direita e cruza para a esquerda
por baixo do carro. A solução foi cortar o tubo próximo à
primeira curva inferior e virá-lo para trás (ao invés da esquerda).
Assim, ele corre pelo lado direito do chassi, mas para simplificar o trajeto na traseira
fizemos uma experiência: reduzimos o comprimento do tubo dianteiro e posicionamos
o silencioso no meio do carro, na direção da porta dianteira. A saída
foi colocada na frente da roda traseira direita. Ficou perfeito, não alterando
o nível de ruído nem de vibração. Se a viatura a ser transformada
for a gasolina/álcool, isso não deve ser necessário, pois o escapamento
já sai do motor pela esquerda.
Tem mais: eu falei que o cardan dianteiro ficou grande, maior até que o
original traseiro. E devido à posição da caixa de transferência
"lá atrás" ele ficou com pouca inclinação em
direção ao diferencial dianteiro. Conclusão: ele batia numa travessa
que tinha embaixo do câmbio, mas que aparentemente na Bonanza não servia
para nada a não ser unir as longarinas do chassi. Segundo o mecânico,
se o câmbio fosse o M37 ele seria apoiado nessa travessa, mas isso não
ocorre com o M46. Como já tínhamos feito uma travessa igual para apoiar
a caixa de transferência, essa outra seria simplesmente eliminada. Mas o acabamento
ficava melhor com essa peça original, portanto optamos por reposicioná-la
no lugar da outra, sob a caixa de transferênccia. Por outro lado, se o problema
ocorrer e a travessa for necessária, basta cortá-la no ponto de passagem
do cardan e fazer uma "ponte", com a altura equivalente ao movimento do
cardan no curso máximo da suspensão dianteira.
O meu kit veio com acionamento da tração por cabo, o qual é
infalível.... te deixa na mão sempre! A solução foi a
confecção de uma alavanca de acionamento, utilizando como base uma alavanca
de jipe Willys (a maior, da tração) e um suporte preso ao assoalho,
do lado direito da alavanca de câmbio. Ficou bom tanto funcional como esteticamente.
Para o pomo dessa nova alavanca, pode ser feito um exclusivo a partir do pomo do câmbio,
retirando-se aquela plaquinha do esquema das marchas. Aí, é só
comprar uma plaquinha com o esquema do jipe Engesa (no Ibirapuera, às quintas-feiras
à noite), recortar o desenho do acionamento da tração e colar
no novo pomo. Caso o seu câmbio seja igual ao Engesa (1ª para trás),
pode aproveitar a plaquinha sem recortar, colando-a no painel.
E por falar em painel: no quadro de instrumentos da Bonanza, entre aquelas luzes-espia
que ficam embaixo do velocímetro, têm duas cor de laranja muito curiosas:
"4x4" e "REDUZ". Ou seja, a GM tinha pelo menos a intenção
de fazer isso... e já que elas estão lá, vamos utilizá-las:
no meu caso, somente a 4X4, bastando colocar um interruptor junto ao acionamento na
alavanca (igual aos que se utilizam no freio de mão de carro de passeio). Nos
modelos anteriores a 94 eu não sei se tem essas luzes.
Aí, veio a hora de acertar a relação dos diferenciais. Como
se sabe, nesse tipo de tração 4x4 ambos precisam ter a mesma relação,
para evitar esforços na transmissão. Se bem que uma diferença
pequena pode ser tolerada, pois na terra/lama as rodas patinam e tudo se acerta. No
meu caso, como a viatura era originalmente a gasolina, seu diferencial traseiro (Braseixos)
tinha a relação 3,90:1 (43x11 dentes). Ela havia ficado um pouco curta
com o S4T, mas a adoção dos pneus 33" resolveu: na prática,
ela ficou com 3,55:1 que é EXATAMENTE a relação original das
Bonanza turbo. Sorte? Espere para ver..... Para comparação, com o motor
a 2.000rpm em 5ª marcha, a velocidade real (aferida com velocímetro digital)
é de 113km/h.
Abrimos então o diferencial dianteiro (Dana 44) e adivinha o que encontramos?
Exatamente, 43x11 dentes ou 3,90:1, a mesma relação do eixo traseiro......
Isso é que é sorte, pois existe um monte de relações possíveis
e imagináveis para esse diferencial. A esse respeito, veja um post no Fórum
com uma lista quilométrica dessas relações e sendo somente as
adotadas pela GM, fora as outras montadoras. Foi só conferir o estado das peças
(todas ok), fechar e colocar óleo novo.
O eixo dianteiro veio sem o acionamento das rodas-livres, tinha apenas a parte
do cubo. Foram colocadas AVMs modelo Willys que serviram perfeitamente.
Finalizando, foi preciso fazer batentes para final de curso da suspensão
dianteira, os quais utilizam borrachas do batente do caminhão MB 608 colocadas
em um suporte tubular soldado ao chassi. Esses suportes são vazados na parte
de trás, para permitir a troca das borrachas se necessário.
Conclusão
A rodagem ficou um pouco mais áspera, em parte por causa dos pneus lameiros.
O conforto é quase o mesmo, o nível de ruído aumentou pouco devido
à caixa de transferência e pneus. A suspensão também ficou
mais dura devido aos novos amortecedores e molas dianteiros. A estabilidade obviamente
não é a mesma, devido à altura. Contudo, não há
inclinação excessiva nas curvas.
Em asfalto bom, não se nota diferença no conforto em relação
à suspensão antiga. A direção continua macia e precisa,
apesar da nova geometria. Contudo, o ângulo de esterço (diâmetro
de giro) aumentou bastante. Na verdade, o que mais muda o comportamento dinâmico
do carro são os pneus radiais lameiros. Com eles aumentam o nível de
ruído, a aspereza ao rodar e também as respostas ao volante ficam mais
lentas. Acredito que utilizando-se radiais normais, tudo fica bem parecido com as
4x2. No meu caso os pneus são 100% lama, talvez quando trocá-los eu
opte por modelos 70/30 ou mesmo 50/50 (% lama/asfalto) melhorando o conforto.
Apesar da caixa de transferência ser direta (relação 1:1),
ela introduz uma resistência ao movimento. Isso somado à perda mecânica
do cardan extra, ao aumento do peso do carro e aos pneus lameiros (que também
têm resistência maior ao rolamento), resultou num aumento do consumo de
combustível. Antes ela fazia em média 7-8km/l na cidade e 9,5-10,5km/l
na estrada. Atualmente, esses valores baixaram para 6,5-7 na cidade e 8,5-9,5 na estrada.
Em estrada, sempre rodando à velocidade real (aferida) de 110 a 115km/h.
Quanto à aparência, as fotos dizem tudo. Ela continua com o visual
"normal", apenas mais alta e com os logotipos "4x4" que eram usados
nas D-20 de fábrica. Por baixo, o que mais chama a atenção é
o novo eixo dianteiro, deixando o carro com uma aparência bem diferente das
4x2. A caixa de transferência, por ser modelo "quadrado", encaixou-se
perfeitamente entre as longarinas, ficando nivelada com elas (o que não ocorre
quando é utilizada a ZF ou de outros veículos). Com isso o ângulo
central ficou excelente, pois não foi necessário fazer nenhum protetor
para ela.
O próximo passo é regularizar a documentação pois,
apesar do Contran não fazer referência a modificações na
tração, a suspensão foi alterada. Para não ficar à
mercê dos "critérios" e "interpretações"
dos guardas, é preferível alterar a documentação.
Neste roteiro eu não me preocupei em dar todas as dimensões exatas
de ângulos, calços, bieletas, etc. pois são muito particulares
ao meu caso. Com certeza na adaptação em outra viatura serão
diferentes ou até mesmo desnecessários, dada a variedade de kits, motores,
câmbios, entre-eixos, etc.
Se você gostou e pretende fazer também, boa sorte! E se houver mais
alguma dúvida, é só perguntar no Fórum! |