DICAS


Roteiro para Instalação de Tração 4x4 em Picapes GM Séries 10 e 20

Por Ulysses Pagliaro - Lorena SP

Vista inferior a partir da traseira
Mini-cardan central
Posição do silencioso
Reforço da longarina
Reforço da longarina visto por dentro
Detalhe do reforço da longarina
Roda livre
Saída cardan dianteiro da transferência
Saída cardan traseiro da transferência

Este roteiro foi escrito com base em minha experiência na instalação de tração 4x4 em uma Chevrolet Bonanza 94. Basicamente o processo será o mesmo para qualquer modelo similar, tipo A/C/D-10, A/C/D-20 e Veraneio (antiga e moderna). Isso porque o kit 4x4, fabricado pela Engesa, foi inicialmente desenvolvido para a linha 10 militar (C-15 "Cachorro Louco", com cabine aberta) e posteriormente aplicado na linha 20. Como os chassis 10 e 20 são muito semelhantes em perfil e largura na dianteira, o kit adapta-se perfeitamente a qualquer uma delas. Já nas Silverado e Grand Blazer pode até servir, pois olhando o catálogo de peças a suspensão dianteira e o chassi parecem idênticos. Se alguém tiver coragem, deve ficar show.

Algumas dicas aqui presentes são particularidades do meu carro e/ou do kit que utilizei e podem não valer para outros modelos, mas como eu disse basicamente é tudo igual.

Veículo utilizado na transformação

Bonanza Custom 94/94 (saiu da concessionária em MAI/95), completa de fábrica (ar, trio, som, rodas, etc.), somente não possuindo a direção eletro-hidráulica. Originalmente era movida a gasolina, tendo sido convertida para diesel pelo segundo proprietário. A conversão foi (muito bem) feita na NP Auto Diesel, de São Paulo, com todos os detalhes originais inclusive alterações no painel como manômetro do turbo, contagiros com escala para motor diesel, etc. Com isso, ela tornou-se uma Bonanza S4T tão "convincente" que só quem conhece o modelo (ou verifica a numeração do chassi) sabe que foi convertida. A única coisa que não foi alterada foi a relação do diferencial (3,90:1 ou 43x11), que ficou um pouco curta para diesel. Contudo veremos mais adiante que isso foi bom, dadas as modificações executadas, os pneus utilizados e um pouco de sorte.

Kit 4X4 utilizado

Engesa, modelo militar do final da década de 70, retirado de uma C-15 do Exército adquirida em leilão. Nesses kits mais antigos, geralmente os freios que vêm no eixo são a tambor (meu caso). O kit é composto basicamente por:

  • 2 reforços para a dianteira do chassi, aplicados como uma "capa" nas longarinas e incorporando o ponto de fixação dianteiro dos feixes de molas;
  • 2 suportes para fixar a parte traseira dos feixes de molas e jumelos, os quais são posicionados também nas longarinas do chassi;
  • 2 feixes de molas (que eu soube há pouco no Fórum serem originalmente do caminhão Ford F-600, mas que no meu caso aparentemente são da F-350 antiga);
  • um eixo rígido com diferencial (normalmente era Dana 44, por questão de compatibilidade com as demais viaturas do EB), freios e rodas-livres manuais;
  • 1 cardan dianteiro;
  • 2 barras de direção;
  • 2 amortecedores de curso mais longo (no meu caso, foram utilizados os dianteiros da Toyota Bandeirante);
  • 2 calços para elevar a altura na traseira, nivelando com a nova dianteira, que fica mais alta com o kit;
  • dependendo do kit, um cabo de aço com manopla (idêntica à do estrangulador dos motores Perkins) para acionamento da tração ou um conjunto de alavanca com suporte. Se for cabo, mude para alavanca. É fácil e evita dores de cabeça posteriores com trações que não desengatam, a não ser que você deite debaixo do carro enlameado e desengate com a mão direto na caixa;
  • 1 caixa de transferência, com ou sem reduzida dependendo do kit. Como a Engesa tinha uns 4 ou 5 tipos diferentes, usa-se a que vier. Mas nada impede, por exemplo, de se utilizar uma de Toyota Bandeirante ou similar. No meu caso, veio uma militar sem reduzida, feita em chapa e no formato de caixa, pesadíssima e virtualmente indestrutível. A maioria dos kits civis vinha com a caixa dos jipes Engesa, também sem reduzida, salvo pedido em contrário do cliente. Algumas dessas caixas são extremamente ruidosas por possuírem engrenagens de dentes retos (jipes Fase I), mas hoje existem conjuntos de engrenagens silenciosas que podem substituir as originais. As retas são mais resistentes, mas não se perde muito com as cônicas. Pode-se utilizar também a caixa ZF com reduzida que vinha nas D-20 4x4 originais de fábrica, que é excelente.

Por falar em D-20 4x4 de fábrica, o sistema (com exceção da caixa de transferência) NÃO SERVE para adaptação nas 4x2, visto que a parte dianteira do chassis é totalmente diferente (perfil e largura). Pelo mesmo motivo, também é muito complicado "transplantar" uma carroceria 4x2 para o chassi de uma 4x4, pois os suportes da cabine teriam que ser refeitos em outra posição. E mesmo que fosse possível, a fragilidade do sistema original desaconselha totalmente o trabalho. A respeito disso, leia os diversos posts colocados no Fórum onde são discutidos os pontos fracos desse sistema.

De todos os componentes do kit da Engesa, os mais críticos são os reforços do chassi e suportes das molas. Sem eles, fica muuuito difícil posicionar os feixes, exigindo várias experiências para se localizar o ponto correto. Além disso, esses suportes servem para deixar o chassi mais rígido, evitando que as longarinas se "abram" transversalmente, uma vez que para a instalação do kit é retirado o agregado (travessa ou quadro) da suspensão dianteira, que cumpria também essa função. Eles não são soldados no chassi, mas sim parafusados (aliás, prepare-se para apertar um monte de parafusos...). Se o kit que você está negociando não possuir esses reforços, desista. Essas peças são grandes, feitas em chapa 5mm, seu desenho reproduz a longarina do chassi e são de confecção muito trabalhosa sem gabaritos adequados.

Já o eixo rígido, o cardan e os feixes de molas são fáceis de ser "fabricados" a partir de componentes de outros veículos.

Considerações gerais

Essa adaptação é um trabalho não muito difícil, desde que se tenha certa experiência em mecânica, principalmente em veículos 4x4. Contudo, é trabalhosa e envolve praticamente toda a parte de baixo do veículo. A oficina responsável pela minha adaptação foi a Four Wheel Force, do mecânico José Antonio Gay (antes que alguém pergunte, o nome dele é esse mesmo), em Guaratinguetá, SP (012 3125-7436). Como o nome diz, é especializada em 4x4, inclusive adaptações. E isso é um ponto importante: o profissional que vai executar o trabalho tem que "comprar" a idéia, caso contrário seu carro vai acabar encostado num canto da oficina, relegado às "horas vagas". E por falar em comprar, aqui vai uma informação importante: custos! No meu caso, foi assim:

ITEM PREÇO (R$)
Kit 4x4 Engesa completo, com freios a tambor, faltando apenas o cardan dianteiro 1.800,00
Peças diversas (pivôs, terminais, coxins, cruzetas, parafusos, buchas, bieletas, cardans, amortecedores, borrachas, etc.) 1.700,00
Serviços de terceiros (tornearia) 200,00
Mão-de-obra da instalação 2.000,00
TOTAL 5.700,00

Obviamente não se gastou tudo isso de uma vez. O kit, por exemplo, foi trocado por um guincho elétrico que estava "encostado". A mão de obra do mecânico também está sendo paga em suaves prestações. As peças foram compradas conforme o andamento do serviço. A antiga suspensão dianteira, bem como rodas e pneus originais foram vendidos, cobrindo o custo das peças. O trabalho demorou bastante, 4 meses no total. Nem tanto pela complexidade do serviço, mas por necessidade do mecânico continuar atendendo os clientes dele (e haja clientes...). Se você conseguir um profissional com dedicação exclusiva, em 2 a 3 semanas no máximo está feito. Só que aí o custo.... em São Paulo, algumas oficinas têm pedido até R$ 3 mil só pela mão de obra. O preço dos kits também tem subido bastante, dada a procura.

Saída escapamento
Suporte dianteiro da mola
Entrada mini-cardan na transferência
Diferencial traseiro
Detalhe diferencial dianteiro
Detalhe fixação travessa caixa de transferência
Detalhe logotipo
Detalhe do novo apoio coxim motor
Detalhe Pitman

Não estou considerando o custo de rodas/pneus pois estes já haviam sido instalados anteriormente. Os pneus não precisam necessariamente ser trocados, a não ser que você pretenda enfiar-se na lama pra valer. Já as rodas, se forem as originais de alumínio, precisam ser trocadas por causa das rodas-livres que serão instaladas. No caso das originais de aço aro 15", bem como alguns modelos de liga-leve, é possível "abrir" o centro delas para que possam passar na roda-livre. Eu particularmente desaconselho isso, pois elas ficam muito finas em volta dos furos das porcas. As originais de aço aro 16" normalmente servem, a não ser algumas mais antigas que possuem o furo central de pequeno diâmetro.

Existem alguns modelos de liga-leve que já vêm prontas para uso com roda-livre, como as dos jipes Troller. Outra opção são as rodas da Pajero antiga (até 2000) aro 16", lindíssimas, resistentíssimas e caríssimas (mesmo em desmanches). Ambas possuem furação compatível com a GM. Para off-road o ideal é utilizar rodas de aço. No meu caso optei pelas Mangels modelo Daytona na medida 15x8" com pneus Goodyear Wrangler MT/R 33" lameiros. Pode-se também usar rodas originais de Toyota Bandeirante e dos jipes Engesa (de aço, aro 16").

Em qualquer das opções, não esqueça do estepe!

Quando você tiver que utilizar/adaptar peças ou sistemas de outros veículos, dê preferência a modelos que possuam características semelhantes ao do que está sendo modificado, principalmente em relação a peso e potência do motor. A linha Toyota Bandeirante é uma excelente "doadora", pois seus componentes são superdimensionados e, no caso dos jipes longos, seu peso é próximo das 2 toneladas. A desvantagem é que normalmente essas peças são caras, mas são fáceis de encontrar.

Mais uma coisa: lembre-se que, no caso do kit 4x4, você estará lidando com peças (muito) usadas, sabe-se lá em que condições. Portanto, tudo deve ser checado, revisado, examinado e consertado ANTES de sair rodando para testar.

Início do trabalho

A primeira coisa a fazer é retirar todo o conjunto da suspensão dianteira. Se o motor for diesel, antes é preciso providenciar uma "escora" para mantê-lo em posição. Isso pq os suportes dos coxins ficam apoiados no agregado (travessa) da suspensão dianteira, a qual será removida. No caso dos motores a álcool/gasolina eu não tenho certeza se é necessário, mas se for o caso deve ser feito também. O ideal é suspender o motor com uma girafa, utilizando aquela "orelha" que existe para isso mesmo. Retiram-se então as rodas, barras de direção, freios, cubos, molas, amortecedores, bandejas, tensores e quadro, ficando as longarinas completamente "limpas". Não esqueça de vedar os caninhos dos freios que ficarem no chassi. Feito isso, o próximo passo é refazer os suportes dos coxins do motor que foram retirados. Para isso soldam-se suportes de chapa (espessura 4mm) nas longarinas, na mesma posição onde ficava o agregado. Esses suportes posicionam os coxins na altura original. Aproveite para substituí-los se for o caso. Isso feito, pode-se liberar o motor da girafa e fechar o capô: por enquanto, nada mais será mexido lá.

Instalação do eixo e suspensão dianteiros

Agora é a vez de instalar os reforços das longarinas. Como eles acompanham a curva do chassi, praticamente só têm uma posição de encaixe. Fixe-os provisoriamente com grampos e comece a marcar os furos que serão feitos para fixá-los, aproveitando os próprios reforços como gabarito. Apesar de as longarinas possuírem vários furos, que ficaram aparentes com a retirada da suspensão, não se anime: NENHUM DELES será aproveitado. Essa parte é muito importante, pois garantirá o perfeito alinhamento dos feixes de molas e do eixo. Feito isso parafuse os reforços nas longarinas. Revise os feixes de molas para ver se não há lâminas trincadas, se as buchas e pinos estão ok, se ambos têm a mesma curvatura e comprimento de mola mestra, etc.

Fixe então provisoriamente os feixes de molas nos suportes dianteiros, para marcar a posição dos suportes traseiros. Grosso modo, eles vão ficar na "descida" da curva do chassi, variando essa posição em função do comprimento da mola-mestra. Essa é a parte mais chata do trabalho, prepare-se para montar e desmontar tudo várias vezes. Fixados os suportes traseiros, monte os feixes no lugar. Cuidado: os jumelos devem ser bem pequenos (+- 7cm entre o centro das articulações) e posicionados na parte de trás dos feixes, caso contrário as molas não funcionarão direito e o conforto e segurança serão prejudicados (veja também um post a respeito no Fórum).

Prepare agora o eixo dianteiro para a instalação. Não se preocupe muito com o diferencial, pois ele terá de ser aberto posteriormente para "casar" a relação com o traseiro. Apenas verifique se não está travado, se estiver providencie o reparo. O que deve ser bem examinado é o estado das mangas de eixo, pois são as responsáveis pela sustentação das rodas. No meu caso, uma delas possuía uma pequena trinca na parte interna. Troque rolamentos, buchas, pivôs e tudo que parecer suspeito. Faça uma revisão nos freios e cubos de rodas, trocando lonas, pastilhas, cilindros, rolamentos e eventuais prisioneiros quebrados. Se houver rodas-livres, verifique-as também; se não houver, providencie um par de AVM manuais. Normalmente esses eixos utilizavam mangas e rodas-livres dos Jeeps Willys/Ford, facílimas de encontrar.

Eixo revisado, coloque-o nos feixes, resistindo à tentação de colocá-lo embaixo deles para "ganhar altura". Ao contrário do traseiro, que é montado assim, o eixo dianteiro deve ficar SOBRE os feixes, senão a viatura ficará "indirigível", perigo total. Ponha rodas e pneus e pronto: carro no chão! Dependendo do arqueamento dos feixes dianteiros, a frente ficará mais alta que a traseira. Se a diferença for pequena, um arqueamento na traseira resolve. No meu caso, mesmo com a traseira já arqueada (quando instalei os pneus 33") ainda ficou baixo demais. Veja a solução mais adiante. É possível também criar um ponto de ancoragem sobre o eixo dianteiro para uma barra Panhard, semelhante aos jipes Engesa. No futuro pode ser que eu faça uma experiência, soldando para isso uma outra ancoragem no chassi. Deve melhorar a estabilidade....

Direção e freios

A montagem do sistema de direção não tem segredos. O braço Pitman original foi aproveitado, sendo necessário apenas tornear o furo do pivô da barra de direção pois esse possuía diâmetro maior. Também foi necessário modificar o ângulo da manga de eixo direita, no ponto de conexão do terminal. Isso pq o pivô, mesmo com a suspensão em repouso, estava no limite de articulação devido à inclinação da barra. Provavelmente no carro onde o sistema estava instalado antes, a altura do Pitman era menor em relação ao eixo. A barra que une as duas rodas dianteiras (que veio no kit) teve de ser aumentada uns 10cm, pois estranhamente ficou curta. Foi instalado um amortecedor de direção (marca Rancho) ancorado nessa barra e num suporte soldado ao eixo, próximo ao feixe de molas esquerdo. A caixa de direção original foi mantida sem alterações. Depois de pronta a instalação do sistema 4x4, a direção foi alinhada utilizando-se os parâmetros de cáster e convergência da Toyota Bandeirante, que tem sistema parecido. Ela ficou exatamente como era antes, com a mesma precisão e "peso", tanto em baixa como em alta velocidade. Vamos observar o desgaste dos pneus para ver se será necessária alguma correção no alinhamento.

Os freios foram moleza: trocamos lonas, cilindros de roda e retificamos os tambores. Bastou conectar os flexíveis (novos), sangrar e pronto. Na verdade, os freios a tambor são mais eficientes que os a disco em termos de capacidade de frenagem, pois a área de contato das lonas é maior que a das pastilhas. O problema deles é o fading por superaquecimento (se os tambores fossem aletados melhoraria um pouco) e a necessidade de regulagem periódica. Mas no meu caso vou mantê-los assim por algum tempo. A troca pelo sistema de disco é até simples: basta cortar as pontas de eixo e soldar nelas pontas e mangas de Toyota, por exemplo, já com freios a disco. Até a furação dos cubos de roda fica igual à GM. Isso se aplica tanto para eixos com munhões fechados (homocinéticas, tipo Toyota e Willys) como abertos (cruzetas, tipo jipes Engesa).

Se o kit 4x4 já vier com freios a disco, conforme já foi dito devem-se trocar pistões, pastilhas e eventualmente os discos, em nome da segurança. O sistema de freios a disco original da Bonanza não compensou ser aproveitado, pois as mangas de eixo e suportes das pinças são muito diferentes, o que daria mais trabalho que trocar as pontas. Ainda no meu caso, foi necessária uma pequena modificação no freio traseiro, em função da nova altura da suspensão. Ver mais adiante.

 
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