REPORTAGENS


O DOCE MUNDO DAS PICAPES

Sofá-cama, poltronas giratórias, geladeira, televisão colorida, vídeo-cassete, ar-condicionado, bar bem sortido: tudo isso pode estar a seu dispor, para uma alegre e confortável viagem com a família.

Reportagem de Luiz Henrique Fruet / Fotos de Mituo Shiguihara

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Conhecidas como cabines-duplas, blazers ou simplesmente peruas, essas transformações, feitas a partir de picapes originais Ford ou Chevrolet, vêm se constituindo num segmento cada vez mais importante do mercado brasileiro de veículos. Já há dezenas de empresas especializadas produzindo a um ritmo de mais de 600 por mês.

Assim, as opções – de preço e de equipamentos – são as mais variadas, mas dentro de um mercado ainda nitidamente influenciado pelo ágio. Explica-se: isentas do Compulsório, não há hoje picape zero km com fila de espera inferior a um ano. O que ocorre, então, é que, apesar do preço de tabela de uma picape de quatro cilindros a álcool, por exemplo, gira em torno de Cz$ 180 mil – e uma transformação básica sair entre Cz$ 100 e Cz$ 150 mil -, não se acha no mercado uma cabine-dupla, já transformada, por menos de Cz$ 650 mil. Já para as peruas ou as blazers – que são peruas de chassi encurtado -, o preço inicial é de Cz$ 700 mil, podendo chegar até perto de Cz$ 1,5 milhão. Portanto, quem tem uma picape comum e pensa em vendê-la, pode até ganhar dinheiro se antes mandar transformá-la.

Mas para quem só está preocupado em curtir, o preço da transformação vai depender basicamente dos acessórios que forem instalados — e que formam uma lista quase interminável. Uma TV a cores de 6 polegadas, instalada na parte superior do pára-brisa, custa cerca de Cz$ 40 mil. Um vídeo-cassete compacto também não sai por menos de Cz$ 40 mil, e é um complemento indispensável para a televisão: quando o carro está em movimento, a imagem fica muito prejudicada, e só o som é aproveitável. Com o vídeo, o problema desaparece, e qualquer viagem pode se tomar menos monótona. É comum também a instalação de uma tomada para videogame, para a distração das crianças.

O ar-condicionado é igualmente muito requisitado — e muitas vezes combinado com uma geladeira, acionada pelo mesmo compressor de ar. A geladeira, porém, pode ser também elétrica e escamoteável, de modo que, ao ser retirada do veículo, possa ser usada em casa, ligada à corrente elétrica normal.

Nas cabines-duplas, o banco traseiro preferido é o que pode ser transformado em cama. Já nas peruas, com amplas cabines, costuma-se usar até três fileiras de bancos. Nesse caso, muitos compradores preferem a fileira do meio com dois bancos giratórios, com o que a cabine pode ser transformada numa autêntica sala de estar.

O cliente manda – mas cetim vermelho é exagero.

O leque de personalização é tanto mais amplo quanto menor é a empresa transformadora. Nas maiores, como a Sul-Americana (80 carros por mês), Brasinca (80), SR (110) e Engerauto (120 carros por mês), a organização da linha de produção impede o atendimento de escolhas exóticas, como a de um fazendeiro do interior paulista que exigiu da El Rabit (10 carros por mês) a colocação de um telefone em uma perua, mesmo sabendo que um sistema de comunicação desse tipo só existe em Brasília, e experimentalmente — em São Paulo, o telefone só iria servir de enfeite.

Nesse caso, o telefone foi colocado, mas quando outro fazendeiro pediu que a sua picape branca tivesse os bancos e todo o acabamento interior em cetim vermelho, os donos da El Rabit, os primos Janete Dall’Anese e Ronaldo Navarrete, acharam demais. “O que os concorrentes iriam pensar de nós?”, diz Janete. “Com jeito, acabamos convencendo o cliente a trocar o cetim vermelho por um veludo cinza”.

Há exigências, porém, que não são simplesmente estéticas, como a de um dono de garimpo que pediu, na Sul-Americana, uma picape com um cofre camuflado no assoalho, para poder carregar suas pepitas de ouro. O pedido foi atendido.

A Sulam também acabou atendendo a um cliente, fazendeiro na Paraíba, que queria um compartimento secreto em sua blazer, para guardar uma metralhadora.

É na parte externa, porém, que os transformadores exercem em maiores doses a sua criatividade. Assim, há janelas quadradas, inclinadas, retangulares, até redondas. Os chassis podem ser encurtados — como é o caso das blazers — ou alongados. As cabines tornam-se mais espaçosas com o rebaixamento do assoalho ou a elevação do teto na altura dos bancos traseiros.

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Das novas frentes em cunha à cabine tripla.

Para a confecção de cabines para as peruas, pode-se usar prolongamentos em fibra de vidro ou chapa de aço. Há mudanças também na dianteira, notadamente nas Ford, que originalmente ostentam um desenho ultrapassado. Assim, a SR, a Engerauto e a Sul-Americana desenvolveram frentes em cunha que, embora diferentes, têm em comum uma semelhança com a dianteira da linha Ford Del Rey.

No vale-tudo da diferenciação, já surgiu até uma cabine tripla, construída pela Demec, em São Paulo, para um cliente do interior de Minas Gerais que queria um carro grande como uma perua, mas sem os riscos de ser obrigado a pagar o empréstimo compulsório no licenciamento. É que, ao menos formalmente, as peruas deixam de ser picapes, e seus donos estão sendo obrigados a pagar o compulsório por Detrans de vários Estados.

“Quando o cliente nos falou de seus temores”, diz Paulo Sérgio Tavares, assessor técnico administrativo da Demec, “comentamos, brincando, que a solução seria uma cabine tripla. Ele levou a sério, e nós acabamos topando. No fim, deu tudo certo.” De fato, a cabine tripla da Demec mantém o mesmo espaço interno das peruas e ainda guarda uma exígua caçamba para carga — o que a caracteriza como uma picape.

As transformações, em muitos casos, não são apenas exteriores, mas englobam elementos mecânicos. Já é comum, por exemplo, a instalação de turbos para melhorar a performance dos motores diesel. Apesar de, em média, 70 mil cruzados mais caras do que as similares a álcool ou a gasolina, as picapes diesel são as mais usadas para as transformações, em função de seu baixo consumo e, conseqüentemente, da grande autonomia que proporcionam. Enquanto um motor a álcool dificilmente passa de 5 km/l na estrada, um a diesel faz mais de 10 km/l.

Um painel eletrônico feito por brasileiros.

A grande desvantagem dos motores diesel — o alto índice de ruído — aos poucos também passa pelo crivo dos transformadores. Enquanto uns forram o capô e a carroceria com mantas isoladoras de lã de vidro e até de compostos asfálticos, a Engerauto desenvolveu um novo sistema de fixação para os motores diesel Ford que reduz seu ruído à metade. Outro desenvolvimento da Engerauto é um painel eletrônico criado inteiramente pelos engenheiros paulistanos Tácito e Fernando Misrodrigo de Almeida. Nele, a velocidade, as rotações do motor e o nível de combustível são marcados por faixas luminosas, que substituem os ponteiros convencionais.

A partir deste mês, o painel eletrônico passa a equipar não só as picapes, mas também o mais recente lançamento da Engerauto, uma perua de formas ousadas projetada pelo renomado estilista Anísio Campos — a Scorpio, que vai custar perto de 1,5 milhão de cruzados. “À primeira vista, o teto alto pode parecer feio”, sustenta Anísio, “mas aumenta em muito o conforto dos passageiros. Nossa perua foi criada mesmo de dentro para fora.”

Mesmo assim, não se conseguiu resolver um problema que atinge praticamente todas as peruas com três fileiras de bancos. Elas levam com grande conforto até oito passageiros, mas quase não têm espaço para a bagagem. Há apenas uma exceção: a Manga Larga, da Brasinca, derivada das picapes Chevrolet de chassi longo.

Fonte: Quatro Rodas, Ano 26, Nº 320, Março/1987
Reportagem gentilmente enviada por Fernando Figueiredo

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