REPORTAGENS


A HORA DAS PICAPES

Disparando nas vendas e até mesmo ultrapassando alguns carros de luxo, as picapes afirmaram-se neste verão como veículos urbanos de lazer. Fomos até o litoral verificar este sucesso, e até a pista de testes, avaliar o desempenho de duas delas, a Chevrolet D-20 e a Ford F-1000.

Reportagem da Equipe / Fotos de Mituo Shiguihara

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Não muito mais que de repente, muda o cenário do verão. Ali, onde fervilhavam bugues, jipes e carros esportivos, um pequeno caminhão que antes carregava abóboras entra em cena e conquista o coração dos brasileiros. É a hora (ou seria melhor dizer a era?) das picapes.

Esse fenômeno da proliferação dos utilitários – e especialmente a picape – como veículos urbanos e de lazer já começou há algum tempo nos Estados Unidos, onde eles se tornaram uma fortíssima opção como o segundo ou terceiro carro da família. No Brasil, entretanto, até pouco tempo atrás essa tendência ainda não era muito clara. Foi só neste último verão, quando esses carros diferenciados se aglutinaram novamente nos focos de badalação motorizada, que o espantoso número de picapes em circulação finalmente saltou aos olhos. Na verdade, isso confirmava na prática as estatísticas sobre vendas de veículos durante o ano passado, em que as picapes dispararam em procura e suplantaram concorrentes nada desprezíveis como a Quantum, o Prêmio, o Passat e o Opala.

Quando se pensa que o Brasil é um país cada vez menos rural e mais asfaltado, que um pequeno caminhão supere veículos de luxo ou pelo menos de grande conforto, é no mínimo uma grande novidade. Mais que uma novidade: um novo momento de consumo. Muita coisa daqui em diante pode se alterar no tabuleiro de xadrez do mercado automobilístico se o motorista de fato começar a olhar para os utilitários com outros olhos. Ele acaba de descobrir que ali há espaço para sonhar e inventar à vontade, pois as opções de acessórios, decoração e transformações das picapes superam de longe tudo aquilo que alguém já pensou em fazer com outro carro.

Algumas delas são quase suítes ambulantes, só falta piscina. Outras ainda são carros para o topa-tudo, só que tratados com um carinho especial que nenhum jipe Willys dos velhos tempos jamais sonhou em receber do seu dono. O homem agora trata a sua picape como a mulher antigamente tratava a casa, escolhendo a mobília e suspirando para o requinte da cristaleira. Não seria de se estranhar se esses jovens que paqueraram tanto no último verão agora durante o ano decidam casar para finalmente constituir sua própria... picape, claro.

Vendo o mundo do alto de uma D-20

Renato Modernell

Talvez nem fique muito bem para um jornalista de Quatro Rodas, ainda que mais ligado aos assuntos gerais da revista, confessar abertamente uma trapalhada ao volante. Contudo, era a primeira vez que uma picape me caía nas mãos. Uma Chevrolet D-20, flamante, colorida. Por onde começar?

Bom, em primeiro lugar, vamos abrir a porta e subir aos .... desse palacete assobradado, que é onde um motorista comum de automóveis se sente ao embarcar numa picape. É estranha a vista lá de cima: é algo assim como estar na torre de comando de um aeroporto, com visão panorâmica da pista e dos arredores. A diferença é que temos a incumbência de colocar um automóvel em movimento. Baixamos aquela estranha alavanca do freio de mão, que mais parece um ferrolho medieval. Posteriormente damos partida no robusto motor diesel, que estremece a cabina como um trovão. E finalmente colocamos em movimento esse engenho pesado e poderoso como uma locomotiva.

Foi aí que eu errei. Não sabia que devia arrancar em segunda, pois a primeira indicada na alavanca é uma falsa primeira, digamos assim, uma marcha própria para situações em que se requer uma reserva especial de força do motor. Mas como é que um cristão qualquer vai adivinhar que deveria sair em segunda, como se o ano começasse em fevereiro? Eu apenas pressentia que alguma coisa ia mal. Na verdade, colocava a primeira em cima da primeira, o que me fazia perder o ponto certo da rotação do motor e resmungar alguns impropérios de médio calibre, já que nessas horas sempre aparece um fusquinha buzinando lá embaixo, a perder de vista.

Pois é verdade: de dentro de uma picape, pouco a pouco nos acostumamos a ver o mundo de cima, a descobrir sujeira de passarinho nas capotas dos outros carros. Isso é ruim e é bom. É bom porque é novidade. Mas é ruim porque um motorista prepotente pode, de repente, descobrir o paraíso e sair por aí tentando se impor pelo tamanho do carro. Como esse felizmente não é o meu caso, ao menos deste vício não padeço, o prazer de dirigir uma picape começou quando me familiarizei com o câmbio e os demais comandos e pude então me integrar ao implacável trânsito de São Paulo sem as trapalhadas dos primeiros momentos.

Até que, finalmente, a estrada. O fotógrafo Mituo Shiguihara (numa Ford F-1000) eu deveríamos descer a Serra do Mar, com as duas picapes, e observar de perto quantas outras picapes circulavam no último verão pelas praias do Sudeste do país. Isto é, sentir melhor nesses locais de férias e lazer, a real magnitude desse fenômeno que já se prenunciava de forma mais diluída no trânsito das grandes cdiades brasileiras: os utilitários transformam-se em hobby, em paixão, em mania, em veículos que nunca na vida transportarão um saco de cimento, porém no máximo algumas caixas de cerveja ou, de preferência mesmo, uma bela prancha de surfe.

A era das picapes. E nós dois, ao volante de duas delas, à procura do resto do cardume.

Não foi difícil. As estradas, as praias, as balsas, os restaurantes, em todos os lugares por onde passamos o fenômeno era sensível. Picapes iguais às nossas, mas com frisos aqui, frisos ali, faróis assim e assado, com capota, sem capota, berrantes, discretas, esportivas ou bregas, limpíssimas ou embarradas, com inumeráveis acessórios escolhidos a dedo, onde se pressente a mensagem cifrada do proprietário, enfim, picapes de todos os tipos e linhagens e safras, todas lado a lado naqueles dias quentes do verão. Esperávamos encontrar muitas picapes. Engano. Encontramos um surto descomunal de picapes, um festival. Um festival que mal começou.

PARECIDAS POR DENTRO, DIFERENTES POR FORA: A D-20 ENCHE OS OLHOS

A picape da GM foi pensada para os dias de hoje. A fábrica compreendeu antes que os utilitários são cada vez mais um novo meio para se desfrutar a vida, em vez de ganhá-la a duras penas, na lama, de caçamba cheia. Fora isso, as picapes se equivalem.

Item por item, você vai acompanhar agora o confronto das duas grandes picapes nacionais, a da Ford e a da GM, das quais derivam também todas as transformações existentes no mercado. Escolhemos dois modelos a diesel, que respondem, segundo os fabricantes, por 70% das vendas desse tipo de veículo.

Em comparação com o álcool, a opção pelo diesel significa pior desempenho, mais barulho e cerca de Cz$ 600 mil a mais no preço. Em troca, oferece maior durabilidade, incrível economia na hora de encher o tanque – e, em conseqüência, também maior autonomia – e ainda, ao contrário do álcool, partida sempre instantânea.

Para quem roda pouco, pode ser que, na ponta do lápis, nada disso valha a pena. Mas que o diesel dá outro status à picape, não há dúvida.

No confronto direto das duas, o que primeiro salta aos olhos é que a D-20, da GM, é mais moderna e, sintonizada com as últimas tendências mundiais, mais voltada para a esportividade e o lazer. Na verdade, essa D-20, lançada há dois anos, deixou já muito para trás o antigo modelo arredondado da picape Chevrolet dos anos 60.

Já a F-1000 ainda lembra muito a F-100 que a antecedeu e, apesar da nova frente e da nova pintura, é um carro indiscutivelmente antiquado e austero para os dias de hoje. Na parte mecânica, entretanto, os dois carros se equivalem e deles obtivemos números muito parecidos.

MOTOR – A F-1000 usa um MWM de quatro cilindros, com bomba injetora em linha, enquanto a D-20 trabalha com um Perkins, também de quatro cilindros, com bomba injetora rotativa. Alcançam os mesmos índices de torque e potência.

DESEMPENHO – A F-1000 é um pouquinho mais ágil, sente-se de imediato, e na pista esta impressão se confirmou. Para ir de 0 a 100 km/h, ela levou 29,29 segundos, contra 32,64 segundos da D-20. Na velocidade máxima, a vantagem da F-1000 se repete: chegou a 123,1 km/h, contra 121,6 da D-20.

CONSUMO – Diferenças irrisórias no consumo urbano. Para a D-20, 9,79 km/l; para a F-1000, 9,76 km/l. No consumo rodoviário sem carga, sempre respeitando o limite máximo de 100 km/h, a D-20 obteve 11,1 km/l contra 10,97 km/l da F-1000. No consumo com carga, a F-1000 já leva vantagem, mas deve-se considerar que carrega 150 kg a menos que sua congênere.

CARGA – Pesando 2.080 kg, a F-1000 pode transportar 1.036 kg. A D-20 pesa 2.094 kg e leva 1.150 kg.

FREIO – A D-20 tem pedal mais suave e conseguiu espaços de frenagem menores. A F-1000 tem um freio mais brusco. O incoveniente da D-20 é que seu pedal baixa quando muito solicitado, o que não prejudica a eficiência do freio mas dá uma sensação de insegurança. É preciso esperar seu esfriamento para que volte ao lugar.

CÂMBIO – Praticamente iguais. As cinco marchas da D-20 na verdade são apenas quatro, como as da F-1000, pois a primeira é uma reduzida, para ser usada apenas em certas situações. A relação final da quinta da D-20 é igual à da quarta da F-1000 e as duas atingem suas velocidades máximas com as mesmas rotações do motor.

ESTABILIDADE – As duas se equivalem quando estão vazias. Carregadas, a D-20 é ligeiramente mais estável, já que a F-1000 apresenta, nessas condições, uma certa tendência a flutuar.

MECÂNICA – Suas concepções técnicas são muito semelhantes. Suspensão independente na frente, com freio a disco ventilado e eixo traseiro rígido. As duas têm a mesma disposição convencional do conjunto composto por motor, câmbio, cardã e eixo traseiro.

VENTILAÇÃO – A D-20 tem ventilador com três velocidades que pode ser dirigido aos pés ou usado como desembaçador de pára-brisa, além da opção de ar quente. Sua janela traseira pode ser aberta, como nos caminhões dos anos 40, e o teto solar é opcional em ambas.

ACABAMENTO – A F-1000 é mais rústica. A D-20 tem as portas revestidas de tecido combinando com os bancos e luz de cortesia, o que torna seu interior mais agradável e sofisticado.

BANCOS – Empate. Os dois têm regulabem de altura do assento e comodidade semelhante.

VOLANTE – Outro empate. Nos dois casos, a maneabilidade do volante é muito bem dosada pelo sistema hidráulico. É fácil dirigi-las.

PAINEL – O da D-20 é envolvente, feito de plástico injetado, com todos os instrumentos agrupados de modo a permitir uma leitura fácil e imediata. O da F-1000, de metal, é muito vertical e a leitura dos intrumentos é difícil. O conta-giros nem sequer tem a marca vermelha que indica a rotação máxima do motor. Perde longe.

CINTO DE SEGURANÇA – Na D-20, um moderno e eficiente cinto de segurança retrátil e de três pontas. Já o da picape da Ford é do tipo abdominal, em desuso, que só protege em caso de capotamento.

PÁRA-BRISA – Ganha o da D-20. O da F-1000 é pequeno e prejudica não apenas a visibilidade, como até a iluminação interna.

Fora o estilo, igualdade

Se no estilo, a vantagem da D-20 é indiscutível, nos números as duas são muito semelhantes, tanto paradas quanto em movimento. E isso apesar da diferença de motores - enquanto o da F-1000 é MWM, o da D-20 é Perkins. Confira:

  F-1000 D-20
Cilindrada (cm3) 3.922 3.871
Diâmetro x curso (mm) 102 x 120 98,4 x 127
Taxa de compressão 16,6:1 16,0:1
Potência máxima (cv) 86,4 86,4
Torque máximo (mkgf) 25,3 27
Comprimento (cm) 485,6 482
Largura (cm) 202,9 200
Altura do solo (cm) 19 22
Capacidade do tanque (l) 87 88
Carga máxima (kg) 1.036 1.150
Peso do modelo testado (kg) 2.080 2.086
Volume da caçamba (l) 1.655 1.846
Velocidade máxima (km/h) 123,1 121,6
0-80 km/h, em até 3ª (s) 16,05 17,86
0-100 km/h, em até 4ª (s) 29,29 32,64
Consumo em cidade (km/l) 9,76 9,79
Consumo em estrada, vazias (km/l) 10,97 11,10
Consumo em estrada, carregadas (km/l) 10,84 10,20
Ruído em ponto morto (dB) 59,7 60,6
Ruído a 60 km/h, em 3ª (dB) 75,6 73,6
Ruído a 100 km/h, em 4ª (dB) 77,3 76,2
Imobilização, a 60 km/h (m) 18,75 17,15
Imobilização, a 100 km/h (m) 51,59 47,48

Fonte: Quatro Rodas, Ano 28, Nº 332, Março/1988
Reportagem gentilmente enviada por Daniel Martinelli

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