REPORTAGENS


A história do Design da Blazer 4 Sulam

Nosso consultor de estilo, Adhemar Ghiraldelli, é, em suas horas de trabalho normal, designer da fábrica de veículos especiais Sulam. Ao sabermos do lançamento de uma perua tipo Suburban-Veraneio, baseada no chassi da A-20, cabina dupla quatro portas (MOTOR 3 nº 72, junho 86), achamos que seria muito interessante mostrar a nossos leitores como é o trabalho de um designer, descrito por ele próprio. Sabíamos que haveria um sério conflito de interesse se o próprio Ghiraldelli analisasse criticamente um trabalho que é dele mesmo e da firma onde trabalha. Assim, pedimos que ele nos desse um roteiro do que foi feito e por que - e reservamos a nós próprios a tarefa de andar brevemente com o produto final e observar o resultado prático.

A prática demonstra que transformação de um veículo comum em um especial traz vantagens e desvantagens. A principal das vantagens é sem dúvida a raridade - portanto, o seu cachet social; outra, a qualidade e o luxo dos revestimentos. As desvantagens são menos visíveis à primeira vista, porém às vezes dolorosamente patentes à medida que o tempo passa: ergonomia pobre, corrosão acentuada nas novas funções e pontos de solda, inadequação das características mecânicas originais ao novo papel de vida etc. Quase universalmente, por trás de tudo isso, a necessidade de conter preços e custos, criando impossibilidade de serem efetuados programas extensos de pesquisas e desenvolvimento. Assim, o trabalho dessas transformadoras baseia-se muito na sensibilidade e argúcia de seus designers, que são muitas vezes responsáveis por todo um veículo - enquanto seus colegas "de fábrica" são responsáveis, quando muito, por um pequeno pedaço do veículo-base.

Creio que a descrição seca e bastante detalhada que Adhemar Ghiraldelli fez de seu trabalho com o Sulam Blazer 4 será de muito interesse para aqueles que trabalham na área - e, mais ainda, para aqueles que sonham, algum dia, poder fazer o mesmo que ele, seja numa transformadora, seja numa montadora tradicional.

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Há pouco mais de um ano a diretoria da Sulam, empresa para a qual desenvolvo trabalhos de estilo, solicitou-me estudos para a o retrabalho sobre a nova linha de pick-ups GM. Foi quando, através de fotos e desenhos, executei vários estudos para a produção de versões Cabina Dupla e Blazer. Direcionei meu trabalho para a suavidade e discrição de desenho, seguindo o estilo dos novos pick-ups, para que a parte retrabalhada se harmonizasse completamente com o restante, mantido do carro-base.

Quanto ao resultado desse trabalho, sou suspeito para tecer comentários críticos ou elogiosos; passarei então apenas a descrever o trabalho no carro em questão e não a julgar o produto final.

Chegar à Blazer 4 não foi difícil, uma vez que a Sulam já tem em produção a sua versão duas portas (Blazer) encurtada. A partir de medições, cálculos, ilustrações e alguma dose de intuição, cheguei à conclusão de que seria possível fazer o carro sem alterar a configuração de produção da empresa na linha de pick-ups.

O pick-up Cabina Dupla 4 portas GM tem o entreeixos e, é lógico, o comprimento total maiores que os da versão normal, mas a caçamba tem praticamente as mesmas dimensões. Assim que constatei isso, fiquei com a trena na mão até descobrir que seria possível usar as mesmas colunas B e C, em chapa de aço, usadas no modelo Blazer para a construção do novo carro, com a diferença de que aí elas passariam a ser as C e D, em função das quatro portas.

A porta traseira, em plástico reforçado com mantas de fiberglass, também seria a mesma, assim como, vejam só, os vidros laterais e fechamentos internos das novas colunas. Já o teto teria que ser substituído integralmente - do contrário, daria lugar a ondulações comuns em emendas no teto de veículos muito longos.

Enfim, apresentei minha proposta à diretoria através de várias ilustrações e alguma conversa, e o resultado está aí para o amigo leitor conferir.

Um bom veículo com essas características não é bem um off-road, e o seu consumidor típico também não é exatamente aquele adepto a extravagâncias; assim, todo o design dos pick-ups Sulam por mim executado segue discreto acima de tudo.

Os novos vidros laterais traseiros são bem dimensionados - nem pequenos nem grandes demais. Em função das maiores facilidades técnicas de constução, que estipulam este limite, a linha inferior desses vidros está apoiada na antiga linha da caçamba; isso os leva um pouco mais abaixo (25 mm) que o alinhamento das janelas das portas. Para se evitar a impressão de traseira baixa, determinei que eles subissem os mesmos 25 mm acima delas - um detalhe que se nota facilmente, mas não chega a comprometer o pacote estilístico. Se, ao contrário, os vidros fossem mais estreitos, o carro pareceria ainda mais longo.

A porta traseira tem formato aeronáutico, como são chamadas as portas que avançam pelo teto (quando laterais) e laterais e teto (quando traseira) de um veículo. A opção pela fibra de vidro neste caso era inevitável, devido à plasticidade de desenho e formatos que esse material permite. Levando em consideração o peso dessa porta em função de suas dimensões, se fosse confeccionada em chapa de aço, para levantá-la o proprietário de um carro desses teria forçosamente que possuir aptidões atléticas. Foram dois bons motivos. Seu desenho fecha o das laterais como no pick-up base, e acrescenta um rebaixo central diferenciado. Isto evita a impressão de "traseira de caminhonete". Com esta tipologia, a porta se abre para cima como em uma perua, limitando-se apenas pelas laterais, teto e assoalho, oferecendo assim o máximo possível de vão para acesso de objetos tanto no sentido horizontal como no vertical. Apesar de possuir enormes dimensões, seu acionamento é bastante suave, para o que contribuem o material em que é confeccionada, e duas molas a gás das que são usadas na mais pesada das portas das peruas nacionais (Parati), reduzindo consideravelmente o seu peso funcional.

Os pára-choques, também em plástico reforçado, acompanham a linha discreta, buscando elegância em vez de parrudez e englobam faróis auxiliares e lanternas repetidoras de seta. Por prevenção, já que são mais baixos que os originais e com isso poderiam influenciar negativamente o correto arrefecimento do motor, a peça dianteira engloba também uma tomada de ar localizada em seu centro, que, por seu dimensionamento e desenho, direciona parte do fluxo de ar para o radiador do motor.

Construção

A opção pela chapa de aço estampada deve-se à resistência torcional que este material oferece à carroçaria, e também ao acabamento final das superfícies e à pintura - sem ondulações. As novas colunas C e D são estampadas na própria Sulam, assim como o teto e o novo assoalho em chapa de aço na região que compreendia a caçamba. A troca do estrado de madeira pelo assoalho em chapa nesta região é necessária, principalmente para evitar-se os problemas de vedação contra poeira e água, que deve merecer uma atenção especial no caso de transformações em pick-ups.

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A traseira do carro-base é literalmente desmanchada em função da nova traseira, formada quase em sua totalidade pela quinta porta, e também para a execução de um raio de curvatura no sentido horizontal da superfície. O raio é necessário para se evitar aquela aparência de furgão que uma traseira reta causaria. Como no carro-base este raio não existe, é necessário que se desmanche toda a traseira do mesmo para a montagem das novas peças estampadas especialmente para esse fim.

Toda a carroçaria recebe reforços e todas as soldas são executadas com aparelhos de solda eletrostática (MIG) ou ponteadeiras manuais, oferecendo uma maior rigidez estrutural na parte retrabalhada.

Os pontos de fixação da caçamba foram reestudados e receberam coxins, que com eventuais torções do chassi, fazem com que toda a carroçaria trabalhe como trabalharia um monobloco sob este tipo de solicitação. Do contrário, apenas a cabina trabalharia e o restante, fixo diretamente no chassi, não; isso seria um passo a favor de trincas e rachaduras nas junções de chapa.

O fechamento interno de todo o habitáculo também recebe chapas de aço nas longarinas longitudinais do teto, nas laterais da caçamba, na longarina traseira do teto e travessas de reforço sob a folha externa deste, além do fechamento das novas colunas C e D com pontos para fixação de cintos de segurança de três pontos e das molas de gás da porta traseira. Para se ganhar ainda mais espaço, as caixas de rodas são rebaixadas, já que para uso do Blazer 4 elas são superdimensionadas.

Para uso misto cidade/campo a Sulam já oferece a versão duas portas (Blazer). O novo Blazer 4 vem apenas complementar a gama de ofertas da empresa, apresentando-se como um cruiser de estradas longas e asfaltadas. Partindo desta premissa, o interior do carro foi estudado de forma a oferecer conforto para desde seis até onze pessoas e suas respectivas bagagens. O uso em profusão de material fono-absorvente diminui consideravelmente o nível de ruído interno a números notáveis, trabalho que funciona ainda melhor na versão a álcool.

Na frente, dois bancos individuais reguláveis em distância, altura do assento e reclinagem, deixam espaço entre si que pode abrigar desde saídas de ar-condicionado e porta-copos, até bar e geladeira, ou mesmo TV e vídeo-cassete, direcionados aos passageiros de trás (quem estiver ao volante não deve ver TV - pelo menos é o que se espera). Tudo isso embutido em consoles diferenciados, dependendo dos equipamentos discriminados.

Para facilitar o acesso ao último banco, os bancos intermediários individuais (ao lado das portas traseiras) são fixados sobe um quadro basculante de acionamento progressivo, além de oferecerem as mesmas regulagens dos dianteiros.

Os padrões de tecidos especializados para o Blazer 4 tem tons diversos sempre em combinação com a cor externa do carro. Para esse modelo interior será sempre em monocromia com o exterior, assim como o tecido mais simples a ser usado em seus bancos, forrações e teto, será no padrão interno da versão Custom da GM, mais veludo no teto, carpete em todo o assoalho e teto solar sobre motorista e passageiro, na frente.

Por detectarmos o problema de aeração interna na cabine dupla, tomamos como princípio oferecer aparelhos de ar-condicionado integrados com saídas no painel, consoles ou laterais traseiras, ou mesmo um segundo aparelho afixado na parte traseira do teto e direcionado aos passageiros. O fato de o carro ter como item mandatório o teto solar (por razões técnicas), não impede que se instale outro sobre os bancos traseiros em vez de optar-se pelo ar-condicionado.

Por fim, a pintura conta com cores sempre sóbrias, de preferência em dois tons, pois isso diminui um pouco o tamanho do carro visualmente, além de dar a ele uma aparência muito elegante.

Um veículo com quase seis metros de comprimento, e lugar para até doze pessoas e suas bagagens, direcionado principalmente ao transporte com muito conforto por longas distâncias, foi o ponto de partida. O desenho procura ser o mais funcional e discreto possível, sem perder a identidade de um veículo especial. No que toca ao design, creio que fiz minha parte; em todo o mais que a produção de um especial implica, a Sulam está fazendo a sua.

Rodando com o Blazer 4

"Rodando" parece até um exagero: tive oportunidade apenas de rodar alguns quilômetros, durante os quais tentei efetuar algumas perguntas indiscretas ao novo carro da Sulam.

Começando por certas dúvidas a respeito do próprio nome dado ao veículo: o Blazer americano é um 4x4, de entreeixos curtos; mas, como existe o "Blazer" Sulam, com tração apenas em duas rodas e somente duas portas, é possível que o Blazer quatro portas venha a merecer uma designação tornada famosa e virtualmente universal pelo Audi Quattro.

Andando por estradas de barro, porém muito bem conservadas, enquanto levava o carro para o local escolhido para as fotografias, foi fácil notar algumas caraterísticas específicas: a suspensão dianteira está ótima, extremamente ajudada pelos pneus 10x15 Goodyar Wrangler - comparada com a da pick-up A-20 quatro portas, parecia bem mais tranqüila e comportada. É claro que não foram só os novos pneus, mas também o fato de que o Blazer 4, vazio, tem muito mais peso lá atrás que a pick-up igualmente descarregada. A suspensão traseira também estava muito melhor, e pelos mesmos motivos expostos acima. O conforto nos bancos individuais era sem dúvida muito superior ao oferecido pelos originais de fábrica, o nível de ruído era incomparavelmente mais baixo, talvez melhor do que o apresentado pelo defunto Landau - mas isso só poderemos afirmar quando tivermos um Blazer 4 para avaliação formal. E, imediatamente aparente, toda aquela área de vidro até a tampa traseira (quinta porta) dá à perua uma aparência de maior comprimento do que a pick-up, embora a diferença real seja mínima.

Um pouco mais tarde, fazendo curvas de raio constante, tipo skid-pad, notei algumas outras coisas: com todo aquele peso lá em cima (vidro é pesado pra danar) tende a inclinar bastante a carroçaria em curvas fortes - muito mais do que numa pick-up, carregada ou não. Essa inclinação exacerba uma condição de sobrecarga dos pneus. Como os Wranglers (e quaisquer outros pneus de grandes secções transversal e vertical) são geralmente utilizados a baixa pressão (uso entre 8 a 10 libras no Koizystraña, por exemplo), é conveniente que o proprietário de um Blazer 4 se lembre disse e infle seus "sapatos" de acordo com o tipo de utilização que der a seu veículo: se for brincar de "Duro na Queda", jogue a pressão para cima das 30 libras, faça experiências de preferência numa estrada vazia e repita o processo até achar a calibragem correta para a utilização contemplada. Aumentando gradativamente a velocidade em curva constante, cheguei muito cedo a um problema de eixo traseiro, que não conseguia manter a roda de dentro plantada convenientemente sobre o pavimento. As reações "pega-solta" que se sucederam evidenciaram a necessidade da adoção de tensores tipo "escada" para localização correta do eixo traseiro - ou de amortecedores longitudinais de cada lado do eixo traseiro, entre ele e a travessa do chassi. Barras estabilizadoras parrudas à frente e atrás seriam igualmente desejáveis.

Até aqui, praticamente, nada falei do redesign. Mas vamos lá.

A aparência externa é obviamente boa: onde quer que andássemos, a reação dos passantes era uma só: torcicolo. O bicho é enorme, parece grande, mas não tanto; aquelas janelas traseiras maiores do que as das portas certamente ajudam bastante neste sentido. A pintura em dois tons ajuda a reduzir a altura aparente, esses dois artifícios estilísticos trazendo os formidáveis volumes desse carro a limites perfeitamente aceitáveis pelo comum dos mortais.

Internamente, "nosso" Blazer 4 tinha tudo que a transformadora pode oferecer - ou quase. Mas anotamos alguns problemas:

- A aeração é precária, apesar do ar-condicionado (com exceção dos chamados "carros mundiais", todos os outros nossos veículos apresentam o mesmo problema). A razão é simples: falta de saída de ar;

- o teto solar dianteiro: feito para carros mais comuns, revela-se ridiculamente pequeno num carro com quase dois metros de largura e seis de comprimento. Ajuda, por exemplo, a ventilar os bancos dianteiros, mas contribui tremendamente para diminuir a aeração dos compartimentos central e traseiro (lembre-se, esse carro tem três filas de bancos);

- os vidros laterais traseiros, os tais que dão ao carro impressão de ser menor do que é, são fixos. Concordo que são imensos, portanto não facilmente rebaixáveis ou basculáveis - mas eles são fonte fundamental do problema da aeração;

- os bancos dianteiros são ótimos e estão corretamente posicionados; mas os das segunda e terceira filas vão perdendo altura ao piso do veículo, tornando sua ocupação penosa para as pessoas de pernas longas.

O problema de aeração pode ser resolvido de maneira mais ou menos simples: primeiro, com a adoção de um bom aparelho de ar-condicionado; e, segundo, com a adoção de pelo menos dois tetos solares, sobre as duas filas de trás de bancos, para serem abertos ou fechados de acordo com as conveniências de seus ocupantes. O problema da altura dos assentos centrais e traseiros já é muito mais difícil de ser resolvido, pois exige um novo painel de piso, e, muito provavelmente, uma nova suspensão traseira com molas helicoidais - algo que só a própria GM provavelmente fará quando lançar (é provável) sua Suburban nacional.

Outras coisas que faria, se tivesse um? Troca dos três espelhos retrovisores por outros melhores (externos, por azulados antibrilho), maiores (interno, que é pequeno demais) e mais bem-montados (externos).

Mais uma vez, um exemplo de que, para família grande, agora só resta o recurso às transformadoras - e elas não se estão fazendo de rogadas.

Fonte: Motor 3, julho/1986

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